segunda-feira, abril 02, 2007

Conto, que conto mas não vivi

Estava em casa. Fui direto checar meus e-mails e scraps no computador quando me deparei com um estranho em meu Orkut. Ele dizia que tinha gostado de minhas poesias e, por isso, gostaria de me adicionar. Achei a iniciativa interessante principalmente porque ele também era poeta.

Iniciamos uma conversa por e-mail. Ele demonstrou interesse em ensinar-me sua técnica de escrita. Tanta que passou literalmente na prática. Cada e-mail era um testamento, quase uma Bíblia. Ele encontrou vários evangelhos novos, mas que Jesus Cristo, para ter tanto assunto. O primeiro até li. O segundo, até a metade; o terceiro, a terça parte. O quarto avisei:

- Guri, vou analisar tudo o que você escreveu. Após a decodificação, acredito que em uma semana, responderei. Aguarde o meu contato.

A partir daí, o papo e a poesia virou um drama, tragicomédia, filme de terror. O cara acusou-me de ter preguiça mental. No entanto, da forma mais sutil possível:

- Pessoa, jamais pedi que tu escrevesses porra nenhuma pra mim. Nem esperaria páginas de ti. Não podes isso. Faltam condições, capacidade.

Faremos uma pausa no discurso. Vocês perceberam? É, ele escreve em português culto. Tenta ser culto. Quem sabe, até o é. Ou é paraense. Em Belém, os belenenses falam com sotaque de carioca misturado com português correto. Boa mistura. Uma coisa é fato: ele não tem inteligência emocional. Acho que por isso ele é praticamente um genérico de um cavalo. Ou paraense. No Pará, quando as pessoas querem xingar, usam Égua. Por exemplo:

- Égua, não acredito que fiz isso. Inspirei-me ao ter respondido o primeiro e-mail para o cara. Ou cavalo. Ou paraense.

Ele pode ser paraense porque Égua é a fêmea do cavalo. Será que virei Égua ao responder o chamado do animal?

Cheguei em animais porque após ter me chamado de burra e grosseira e justificar que não há mal nenhum em manter contato mais assíduo com pessoas, que gente normal faz isso, ele questionou:

- Quem és afinal? Um bixo?

Sim. Bicho com “x”. Meu Deus! É. Ele é um animal. Um cavalo. Não pode ser um paraense. Paraenses usam o português correto. Ele é um cavalo assassino. Atropelou o coitado o português.


Daí, ele disse que eu devia ser mal quista, mal amada. Usou um “Porra Meu”. Neste momento, percebi que ele é um cavalo, assassino e paulistano. “Porra Meu” é paulistanos. Continuando, ele dizia que estava decepcionado. Já havia aprendido a lidar com limitações e falsidades. E levantou a questão:

- Tuas poesias são tuas mesmo? Porque agora dá pra suspeitar.

Eu também me fiz a mesma pergunta. As poesias que ele havia encaminhado também eram dele? Por que não vi nenhum erro de português e ele parecia ter inteligência, pelo menos emocional. Acho que ele contratou um revisor. Encerrou este protesto-testamento (eu já alertei vocês quanto a este aspecto, certo?) da seguinte forma: SUMA, POBREZA DE ESPÍRITO PEGA. Sim, com caixa alta. Eu, como uma boa jornalista, editaria a frase acrescentando um ponto de exclamação. SUMA! POBREZA DE ESPÍRITO PEGA. Não digo que a vírgula está errada por não ter certeza. Acho que procurarei o professor Pasquale Cipro Neto no Orkut para questionar.

Gente, ele só queria ser útil, ajudar. Era o que defendia. Ele alertava que o meu silêncio era parte da pobreza que eu não queria transmitir. Eu ainda questionei, perguntei se ele tinha enlouquecido. No entanto, cheguei à conclusão que o meu silêncio não era pobreza. Era preguiça de lidar com pessoas que não sabem o que querem, não sabe o que são e querem culpar a todos por não ter tido uma boa professora de português para tentar, ao menos, traduzir tantas frustrações e incapacidade em se relacionar em algo bonito. Acho que Friedrich Nietzsche consegui. Ele era quase um bicho, com “ch”, raivoso. Não queria ler outros filósofos só para não ser influenciado. Contudo, tinha ótimo português e bom senso. “Não existem fatos, apenas interpretações”, escreveu o filósofo. Tire agora a sua conclusão. A minha é que só adiciono amigos no Orkut.

Obs.: Dedico este conto a uma amiga que passou por esta situação e me relatou.

Bixxcoito
29 de março de 2007