quinta-feira, agosto 31, 2006

Conto

Expertise Carioca

Por Bixxcoito

O trajeto diário que faço para ir trabalhar foi modificado hoje. Dormi na casa de amigos após uma balada em uma boate na Rua Augusta, em São Paulo, para ver o Marky Ramone, da tradicional banda The Ramones. Levantei como de costume e utilizei o transporte público para chegar ao meu destino (ficou filosófica esta frase, estou inspirada).

Perto da Funchal, avenida que passo diariamente, enquanto me distraía com o pouco de sol que estava fazendo, uma voz masculina me acordou.

- Lindona, isso aqui é um assalto. Não olhe para traz e não faça gracinha se não eu te mato.

Em meu lento despertar, achei que tinha sonhado com o Rio de Janeiro. De relance, tentei virar-me para ver se era um conhecido que estava brincando comigo. Não era. Pensei em seguida quão era a minha falta de sorte. Na verdade, falta de sorte do assaltante.

Como estive na balada, estava apenas com R$ 2 em nota e R$ 1,50 em moeda. Abri minha bolsa para ratificar a informação. Virei-me com muita calma e disse:

- Baby, eu não tenho dinheiro aqui. Escancarei a bolsa para que ele visse. Ele começou a berrar:

- Se eu for procurar e achar dinheiro, vou meter porrada em você, relinchou a voz.

- Baby, olha o tamanho da minha bolsa (quase uma carteira). Respondi, enquanto entregava os R$ 2 que tinha em mãos. Quando tentei passar por cima da minha cabeça, o assaltante ralhou comigo.

- Não passa por cima! Não passa por cima! Me entrega a grana pelo canto do banco com a janela. Eu ri olhando para frente. Ele estava falando alto, quase berrando, e queria que eu passasse a grana escondido? Vai entender. Fiz o que ele pediu.

Em seguida, foi a vez do celular. Fiz o mesmo movimento de entregar na vez do aparelho, isto é, por cima da cabeça. Ele fez o mesmo discurso acima. E o pior é que ele, ao olhar o interior da minha bolsa para ver se eu estava falando a verdade, pediu as moedas que estavam no fundo. Mais uma vez cometi o mesmo equívoco.

Já estava virando um assalto cômico. Todo mundo me olhando de ladinho como se não estivesse vendo nada, entretanto, com medo. E eu, a vítima, rindo da cara do assaltante.

A voz me avisou que iríamos passar por uma delegacia. Caso eu fizesse escândalo, iria me matar. “Eu posso voltar para a cadeia mas você não sairá viva”, ameaçava a voz.

- Você não lembra de mim. Já te segui até a porta da sua casa, comentou a voz. E eu só fazia o movimento de confirmação com a cabeça, com um ar de cansada. Afinal, nós, cariocas, sabemos de cor todo o processo. Não reagir, dar o que o assaltante pedir, não se desesperar e deixar o episódio passar.

Ele então, acredito, começou a relaxar. Viu que eu não ia fazer nada e que estava muito tranqüila com a situação. Então começou a desabafar:

- Eu fui preso duas vezes. Uma por seqüestro. Quase morri. Cadeia é um lugar horrível. Não dá pra viver assim. Ninguém consegue. 1500 pessoas no presídio tal (não lembro nome). Você viu a revolta no presídio tal? As pessoas não podem viver desse jeito, reclamava a voz.

- Se eu pudesse voltar atrás... teria entrado antes no PCC (uma organização criminosa em São Paulo). Você viu o que os caras fizeram? Eles querem uma revolução! É incrível o que eles estão conseguindo. Acho muito bom. Eu queria ter entrado para o PCC muito antes, afirmou em um tom nostálgico.

Vale lembrar que em maio de 2006, o PCC (Primeiro Comando da Capital) parou a terra da garoa por meio de uma sequencia de atentados que aterrorizaram a população.

Comecei a surtar. Não estava acreditando. Quase disse: “Meu filho. Se você quer assaltar, assalte. Agora me fazer de psicóloga já é sacanagem”. E ele continuou:

- Você mora onde? Perguntou.

Eu quase dei uma gargalhada. Ele não tinha dito que me seguiu na semana passada até em casa? Como me pergunta isso agora? Eu já tinha calculado que era para me assustar. Afinal, não faço aquele trajeto todo dia. Isso tudo acontecendo e eu só com a voz ao fundo. Não pude ainda verificar a fisionomia daquela voz. Respondi:

- Moro na Vila Mariana, menti. Ele disse em seguida que ia deixar o meu celular no dia seguinte no ponto final de Pinheiros. Sugeriu que eu fosse buscar. Minha reação foi:

- Filho, eu não tenho a mínima idéia de onde fica o ponto final de Pinheiros. Era mais fácil ele me devolver o aparelho logo! Agora mal me assaltou, já está pensando em me devolver o aparelho? Então ele explicou:

- É que preciso do telefone para realizar um atentado do PCC hoje. Te dou minha palavra que devolvo amanhã o celular. E você, lindona como é, pode continuar tirando suas fotos.

Eu já olhava para o trocador e para um cara que estava sentado ao meu lado com cara de deboche. Primeiro: meu celular é o mais barato do mercado, não tira fotos. Segundo, levar cantada do assaltante, eu não mereço! Lindona e uma risadinha, foi o que ele fez. Ninguém merece isso, muito menos eu.

Ele questionou se uma Vila dessas da vida de São Paulo ficava perto da minha casa. Estávamos ainda em negociação quanto ao local da devolução do aparelho telefônico. Eu disse que não tinha a mínima idéia.

- Vamos fazer o seguinte, falei. Eu te ligo amanhã e combinamos um local para a entrega do celular, combinado? Ele aceitou a proposta.

Puxou, em seguida, assunto sobre a região de Vila Mariana. Disse que tinha a impressão de me conhecer. Quis saber se eu conhecia os “irmãos” da região. Fiz com a cabeça que não.

- Tome cuidado com a Vila Mariana. É um bairro bom. Não parece mas está muito perigoso. Os irmão (no singular) que tão lá não são gente boa, me aconselhou. Veja bem, a voz já estava me dando conselho.

Logo após, fiz que ia descer do ônibus. Ele não deixou. Pediu que eu esperasse ele descer no ponto seguinte. Foi o que aconteceu. Antes, ele levantou, me olhou, apertou a minha mão como se estivesse fechando um contrato, afirmando a entrega do produto, e me devolveu os R$ 1,50 em moeda para que eu pudesse voltar ao trabalho. Levei um susto. Finalmente vi o rosto. Um cara esquisito, com uns 25 anos. O jeito dele dava medo mesmo.

Antes de chegar no trabalho, pensei: “Preciso escrever um conto. E, mais uma vez, ninguém vai acreditar”. No entanto, vi que ser carioca me traz várias vantagens. Entre elas, ter a experiência de lidar com assaltos. Hoje me senti em casa, entretanto, meu peito explode se saudades.

Gostaria de avisar que vocês podem continuar ligando no meu celular. Comprei outro aparelho. O número continua o mesmo, só não tenho mais o telefone de ninguém. O que foi? Vocês não esperavam que eu realmente fosse ligar para o assaltante. Era capaz dele me chamar para tomar uma cerveja e contar o resto da vida dele. Chega. Prefiro pagar a me aborrecer.

4/08/2006.

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